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Sergipano participa de missão humanitária com os Yanomami

Sergipano participa de missão humanitária com os Yanomami

Blade passou trinta dias em missão humanitária pela Força Nacional do SUS com os indígenas e isso mudou sua vida

Quando um profissional de saúde encara seu ofício como missão, é muito mais do que ações que salvam vidas, é a oportunidade de ver sua própria vida transformada pelos desafios impostos por missões humanitárias.

Assim foi para o técnico de enfermagem do Samu 192 Sergipe, Cleston Soares, conhecido como Blade. Há 14 anos servindo à Saúde de Sergipe, já foi convocado três vezes pela Força Nacional do SUS: em 2014, ajudou moradores nas enchentes do Rio Acre; a segunda vez foi na cidade de Atalaia do Norte, no Amazonas, para ajudar indígenas; e essa terceira vez na missão humanitária com os Yanomami.

Blade saiu de Sergipe no dia 27 de fevereiro e retornou no último dia 26 de março. Foi quase um mês totalmente imerso em uma causa que mudou sua vida. Cuidar dos Yanomami trouxe uma nova forma de enxergar o mundo, as pessoas, as circunstâncias. “Parece que a gente volta no ano de 1500. Você se depara com uma população que não fala português (apenas alguns sabem o mínimo da língua para se comunicar com as equipes de saúde). Nós íamos atender a essas comunidades de barco, andando por trilhas na floresta ou de helicóptero quando o clima permitia”, disse.

Inicialmente, Blade iria trabalhar só na Casa de Saúde Indígena (Casai), em Boa Vista, capital de Roraima, auxiliando no posto médico com curativos, acesso venoso para hidratar pacientes, tratamento contra a Malária e Oncocercose.  Em Boa Vista, existem 18 malocas que são distribuídas por etnias Yanomami. Cada uma tem uma média de 50 indígenas. Eles vivem juntos. A equipe de Blade ficou responsável por cinco etnias: Sanumã, Yekuana, Xirixana, Xiriane e Palimiú.

“Chegávamos nas malocas às 08h da manhã e saíamos no fim da tarde. A minha missão era ficar lá por 20 dias na Casai, mas no décimo dia fui convidado para atender outras comunidades Yanomami em território indígena, dentro da floresta. Para onde ia não tinha acesso à comunicação e energia elétrica. Fiquei 13 dias isolado com as equipes de saúde e os índios. Fiquei no território indígena chamado Waputha, que é um sub polo de um polo chamado Surucucu”, relembra.

Lá o cenário encontrado foi de um surto de Malária. Foram feitos tratamentos para Oncocercose, muitos indígenas com verminose e desnutrição severa (grande maioria de crianças e algumas mulheres). Blade destacou que o que acontece lá é um ciclo onde o garimpo instalado polui os rios, não há peixe para que eles possam se alimentar. Os animais somem também. Os indígenas ficam vagando pela floresta à procura de abrigo, comida e cuidados médicos. No meio do caminho alguns perdem a vida pela fome.

Socorro rápido

 

Com lágrimas nos olhos, ele relembrou de um episódio que marcou seu trabalho e testou sua resistência psicológica. “A gente levou nossa comida, dormiu com os indígenas em redes nas malocas, convivemos com eles o tempo todo. Em um dia nós sofremos ameaça de um indígena e ficamos bastante apreensivos. À noite, ainda estávamos atendendo pessoas com muita febre por causa da Malária, vimos luzes no meio da floresta. Ficamos com muito medo. Foi quando notamos três adultos e quatro crianças se aproximando. Eles estavam há 5 dias andando pela floresta procurando ajuda. Todos estavam muito desnutridos e famintos. Uma das crianças estava tão magra que pensamos ser um cadáver”, rememorou emocionado.

Depois de uma pausa para enxugar as lágrimas dos olhos, continuou. “Imediatamente fomos ajudar. A gente percebe que o maior problema deles é a fome. O que a gente tinha para a nossa alimentação dividimos com eles. Prestamos os primeiros atendimentos médicos e, no outro dia, o helicóptero foi buscá-los para uma base com estrutura para cuidar deles. A gente já tinha atendido tanta gente que só tinha um soro de 500 ml. Tivemos que dividir esse soro entre eles, com controle do gotejamento”, disse.

Blade ainda conta que, muitas vezes, reduziu a sua própria alimentação para sobrar mais para dividir com os Yanomami. “A fome dói!”, relatou. A Força Nacional do SUS estava lá para salvar aquelas pessoas que foram esquecidas, ofertando o mínimo de condições de sobrevivência.

Experiência

Mas também havia muita beleza lá. Um povo ancestral que consegue ser resiliente em seu sofrimento e as equipes de saúde sentiram isso todo o tempo.  “No final das contas, a gente também vê muita coisa bonita lá. Por mais que eles passem por todos esses problemas, eles são felizes. As crianças nos abraçam muito. Tomávamos banho no rio, lavávamos a roupa também no rio. Caminhamos muito em trilhas”, enfatizou.

Blade diz que ainda está em crise existencial por tudo que viveu com os Yanomami. “É difícil enxergar a vida da mesma forma. É Difícil entender o que acontece com aquele povo. Eu evolui muito mais como ser humano. Tenho hoje outra perspectiva de vida. Eu já não era apegado a bem material e, depois dessa vivência, você percebe o quanto tanta coisa não é importante”, refletiu com um olhar de quem sabe que pode ainda ajudar muito.

Quando perguntamos se ele está preparado para voltar, mesmo ainda envolto em tanta emoção pelas vivências com os Yanomami, a resposta é bem clara. “Eu estou preparado para voltar. Sei que sou muito útil porque o mínimo que você faz é o máximo pra eles”, finalizou.

Blade foi um dos profissionais de saúde sergipanos que deram muito de si para ajudar os Yanomami. Faz parte da Força Nacional do SUS. Tem no seu coração a necessidade de abandonar, muitas vezes, o próprio conforto para cuidar de quem mais precisa. Que a coragem dele seja contagiante porque o orgulho é, com certeza, do povo sergipano.

Imprensa24h

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